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 | 25/04/2006 08h58min

Aperfeiçoei os dribles com os cachorros, diz Ronaldinho

O melhor do mundo fala da infância, da família e do Mundial

A entrevista a seguir foi colhida em três momentos distintos de uma mesma tarde de sol na casa de Ronaldinho no balneário de Castelldefels, a sete quilômetros de Barcelona. Em dois deles, o melhor do mundo estava à beira da piscina, de chinelos, cabelos presos, camiseta e bermuda da marca de Michael Jordan, que já foi seu equivalente no basquete. Primeiro, numa conversa descontraída, enquanto fazia malabarismos com a bola, no pátio. Em seguida, de pandeiro na mão, no intervalo de uma animada sessão de pagode com o grupo gaúcho Samba Tri.

Por fim, já com a noite chegando, dentro de casa, falou sobre sua vida em Barcelona em um ambiente mais formal. Revelou que sonha ser capitão na Copa para erguer a taça, falou sobre o assédio às vezes histéricos dos fãs e contou que desde guri treina dribles usando cachorros de estimação como zagueiros. Acompanhe os principais trechos.
 
Com quantos anos decidiste ser jogador?
Ronaldinho -
Acho que desde os sete, quando tenho lembrança das coisas. Sempre quis ser jogador.

Quando foi teu primeiro título?
Ronaldinho
- Eu tinha sete anos. Já no primeiro campeonato na escolinha do Grêmio a gente teve a sorte de ganhar. Lembro bem. Depois veio o futebol de salão.

Lembras da sensação?
Ronaldinho
- Puxa, sei lá...Nesta idade quem mais curte são os pais. Eles ficavam mais contentes do que as crianças. A gente não entendia muita coisa.

Nesta idade tu já aplicavas chapéu e elástico?
Ronaldinho
- Não com freqüência. Mas às vezes acontecia. Tem gravado aí eu pequeno fazendo umas coisas. Toda criança que joga futebol tenta driblar. Eu não era diferente.

As pessoas sempre contam histórias sobre a tua infância, algumas até romanceadas. Gostaria que tu mesmo falasse da tua infância e do que lembras dela.
Ronaldinho
- Nasci em um bairro humilde de Porto Alegre, a Vila Nova Nova. Aos oito anos fui para o Guarujá. Mas tanto num quanto noutro o que ficou na memória era estar sempre jogando bola na rua com meus amigos.

Conseguirias precisar a primeira vez que jogaste bola?
Ronaldinho
- Ah, impossível. Meus presentes sempre foram bola de futebol: de plástico, grande, pequena, de todo jeito. Desde que me conheço por gente eu brinco com bola. Tem foto minha ainda no berço com bola.

Sendo assim, o que a bola representou na tua infância?
Ronaldinho
- Ah, foi minha companheira. Eu ia para o colégio e levava a bola junto para jogar no recreio. Saía da aula e batia uma bolinha. Almoçava em casa e ia jogar. Depois filava um lanche no meio da tarde e saía de novo para jogar.

É verdade que treinavas drible com o cachorro?
Ronaldinho
- É sim. Verdade. Por casualidade, meu cachorro também gostava de bola. Então eu brincava com ele. Andávamos sempre juntos. É como aqui na Espanha: os meus cachorros enxergam bola e já começam a pular. E eu vou driblando eles.

Quem ensinava quem?
Ronaldinho
- Ah, os dois (risos). Eu ficava tentando driblar o cachorro e assim fui pegando o jeito. Sempre gostei de driblar e ia aperfeiçoando os dribles em cima do cachorro.

Dizem que não eras muito de estudar. Isso é mito ou realidade?
Ronaldinho
- Não é que não gostava da escola. Eu até gostava. Mas eu gostava mais da bola (risos). Aí entrava uma competição (risos) um pouco injusta, né? E o pior é que da janela onde eu sentava dava para ver as outras turmas jogando futebol. Era covardia. Tinha um pouco de dificuldade de prestar atenção na aula.

E tua mãe?
Ronaldinho
- Sempre me puxando a orelha. Coisa de mãe. Normal, como com todo mundo.

E o teu pai?
Ronaldinho
- Tenho poucas lembranças do meu pai. Ele morreu quando eu era muito novinho (João, seu pai, sofria do coração e morreu em 1989, na piscina da casa do Guarujá, em Porto Alegre, vitimado por um ataque).

E o teu irmão Assis, o que ele representa para ti?
Ronaldinho
- Ele assumiu todas as responsabilidades da família depois da morte do pai. Passou a ser o homem mais velho da casa. Quem fazia as cobranças para mim era ele. Ele se tornou meu pai, meu irmão, meu melhor amigo. Ele esteve sempre ali, o tempo todo. Foi meu primeiro ídolo.

Como assim?
Ronaldinho
- Não é todo mundo que tem a sorte de ter um ídolo do futebol dentro de casa, te carregando para cima e para baixo. Eu me espelhava nele. Queria ser aquilo que ele era: andar na rua, dar autógrafo, ser reconhecido por jogar futebol.

Ele ainda te dá conselhos?
Ronaldinho
- Claro. O Roberto (a família chama Assis pelo primeiro nome) foi um grande jogador. Quem o viu jogar sabe de sua qualidade. Ele foi ídolo de muitos jovens da minha geração. Ainda por cima jogávamos quase na mesma posição. Me ajudou muito no meu caminho até o profissionalismo.

Tua família é toda de jogadores, não é?
Ronaldinho
- Meus tios, meus primos, meu irmão, todo mundo. Minha família é grande e, nos fins de semana, tinha jogo dos Moreira contra outros bairros. Vinham até times de outras cidades nos enfrentar no campo do Periquito, ali pertinho de casa, na Vila Nova. Desde muito pequeno ficava ali em volta, vendo tudo e tentando copiar. Depois arrumei uma vaguinha no time. E estou aqui.

Em que o Ronaldinho da Alemanha será diferente do de  2002?
Ronaldinho
- Estou mais maduro, mais experiente. Neste tempo todo que passou muita coisa aconteceu. Foram várias competições e situações novas. Vou chegar ao Mundial bem mais tarimbado.

É possível reprisar numa Copa o mesmo futebol virtuoso da Espanha, com balõezinhos e elásticos?
Ronaldinho
- Olha, acho que dá. Meu pensamento é fazer na Copa o mesmo que faço no clube. Ou seja: o meu melhor.
 
Aos 26 anos, duas vezes eleito o melhor do mundo, chegaste no auge?
Ronaldinho
- Me sinto em um momento muito bom. E estou conseguindo me manter neste nível por um certo tempo já, o que é o mais complicado. Mas sinto que ainda estou crescendo como jogador.

Em que podes melhorar?
Ronaldinho
- Ah, em muita coisa.

Mas o que exatamente? Cabeceio?
Ronaldinho
- Também. Não cabeceio muito legal. Chutar melhor de fora da área. A gente precisa evoluir sempre.

O que pode ser melhor do que ganhar duas copas?
Ronaldinho
- Acho que ganhar cinco. Melhor que duas é ganhar quatro, cinco (risos).

Foste capitão na Copa das Confederações. E na Alemanha?
Ronaldinho
- Olha (pausa). É lógico que se o Cafu estiver lá o capitão é ele. Mas se o professor Parreira precisar. Ele já sabe que pode contar comigo. Disse isso a ele.

Te imaginas erguendo a taça?
Ronaldinho
- Ah, seria maravilhoso. Na Copa das Confederações foi um sentimento fora do normal. Erguer um troféu representando o teu país é uma coisa incrível. Imagina isso em um Mundial? Qual menino brasileiro nunca se imaginou fazendo isso? Seria a realização de um sonho de criança.

O favoritismo exagerado não pode atrapalhar a realização desse sonho?
Ronaldinho
- Isso aí fica do lado de fora do vestiário.

Mas a cobrança e a pressão não aumentam?
Ronaldinho
- É como eu te digo: isso aí fica do lado de fora do vestiário. Na hora de entrar em campo a gente sabe que sem dedicação a cada jogo não se ganha. Copa do Mundo é só fera. Não pode vacilar nunca.

Porque tu volta e meia usa a camiseta 23 do Michael Jordan?
Ronaldinho
- É uma roupa meio "largadona", bem como eu gosto. É da grife dele, em parceria com a Nike.

Mas ele é um ídolo teu também?
Ronaldinho
- Ídolo? Decisão era com ele mesmo. O Michael Jordan era simplesmente o cara.

E essa vida de astro pop não te cansa? Não é difícil ser Ronaldinho, às vezes?
Ronaldinho
- Não, ao contrário: acho superfácil. Sou um cara que vive tudo o que sempre sonhou. Vou reclamar do que, se tudo o que sempre quis para mim está acontecendo aqui em Barcelona? Procuro é desfrutar de cada momento.

E não poder andar sozinho nas ruas, despreocupado.
Ronaldinho
- Estou sempre rodeado de amigos. De certa forma não era tão diferente assim quando eu era criança. E aqui perto de casa é mais sossegado (o balneário de Castelldefels, distante 15 minutos de carro do centro de Barcelona). Dá para andar na praia, sentar em um restaurante e bater um papo de vez em quando.

Mas e quando um torcedor mais exaltado puxa o cabelo?
Ronaldinho
- (Risos) Ah, isso aí acontece mesmo. Sempre tem um fã que quer mexer no cabelo, o outro te agarra para um abraço, o pai te dá o celular para falar com o filho no meio da confusão. Mas eu acho isso normal. É carinho. Se eu não estivesse fazendo o meu trabalho direitinho nada disso estaria acontecendo. É um reconhecimento. O contrário é que seria ruim ou um aviso de que algo de errado está acontecendo. Eu não tenho nada do que reclamar, nada, nada. Deixa assim que está bom.

DIOGO OLIVIER/ZH

 
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