| 03/05/2006 10h13min
A Petrobras pode ter cometido o engano de que não seria afetada por uma medida radical do presidente Evo Morales, por considerar apenas os aspectos econômicos das relações com os bolivianos. Mas o Itamaraty e o Palácio do Planalto não têm como alegar o mesmo.
Os fatores políticos já demonstravam que a expropriação enfim concretizada era uma medida facilmente previsível, segundo o cientista político José Alexandre Hage.
– Já se sabia que Morales usaria o petróleo e o gás para fazer valer sua idéia de soberania sobre um produto estratégico – diz Hage, autor do estudo "O Gasoduto Brasil-Bolívia e as Implicações Políticas do Intercâmbio Energético", sua tese de doutorado na Universidade de Campinas.
Quando o ministro boliviano de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada, esteve no Brasil, há duas semanas, para uma reunião com o ministro Silas Rondeau, de Minas e Energia, a posição boliviana estava sacramentada. Mas Hage entende que muito antes, na campanha eleitoral do ano passado, Morales deixou claro que o petróleo e o gás seriam nacionalizados. Se estivesse apenas blefando, estaria perdido:
– Ele foi eleito para cumprir o que dizia, ou estaria desmoralizado.
O cientista entende que o apoio explícito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Morales, antes da eleição, e a troca de gentilezas entre os dois, depois de eleito o boliviano, criaram a ilusão de que seriam semelhantes - em razão das origens humildes - e, por isso, imunes a conflitos. Também era falsa a ilusão de que, por ser importante para a Bolívia, a Petrobras seria intocável, e que a diplomacia do Itamaraty estaria preparada para um rompimento:
– Pode ter havido um erro de cálculo. É ruim a imagem que os outros países da América do Sul têm do Brasil. Para eles, somos tão imperialistas quanto os Estados Unidos para a América Central e outros países.
Para Hage, o que interessa agora é entender o gesto de Morales, para que se tenha também a compreensão de seus desdobramentos. Ao nacionalizar gás e petróleo, o boliviano estaria seguindo, com uma ação radical, uma estratégia que não contém nenhuma inovação:
– Antes de serem questões de mercado, as reservas petrolíferas são questões de Estado. É assim nos Estados Unidos, na Rússia e no Brasil. E é assim que ele pretende fazer uma espécie de acerto de contas com a dívida social do país.
Politicamente, a medida dá sinais do que Morales pretende, além de se fortalecer internamente, marcar posição categórica dentro do que Hage define como um subsistema dentro da América do Sul:
– Ele, Chávez, na Venezuela, e Ollanta Humala (candidato nacionalista à presidência), no Peru, formariam o grupo dos que não são necessariamente de esquerda, mas contestadores do sistema.
O cientista prevê um acerto econômico que contemple os interesses da Petrobras daqui a um mês, no máximo. O acerto político será mais complicado. Por enquanto, Lula e o Brasil estariam fora dos planos de Morales como parceiros confiáveis.
MOISÉS MENDESGrupo RBS Dúvidas Frequentes | Fale Conosco | Anuncie | Trabalhe no Grupo RBS - © 2009 clicRBS.com.br Todos os direitos reservados.