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 | 24/06/2006 10h

É preciso ter medo da biblioteca virtual?

Debate sobre livros digitais envolve usuários, escritores, editores e bibliotecários

O projeto do portal de busca Google de criar uma biblioteca virtual de mais de 15 milhões de livros, incluindo aqueles protegidos pelos direitos autorais, não chega sem polêmica. A proposta vem gerando críticas por parte dos escritores e dos editores que se vêem ameaçados pelas possibilidades de plágio e pirataria ou, ainda, pela diminuição nas vendas. O projeto, no entanto, segundo alega a maior ferramenta de buscas da internet, é filantrópico e irá facilitar o cruzamento de informações e aumentará a procura por livros.

A idéia está sendo seguida de perto pela Amazon, Microsoft e Yahoo, outros gigantes da internet que também já apresentaram propostas semelhantes. O que todos querem, na verdade, é sofisticar os resultados dos canais de buscas, já que muitas das pesquisas dos internautas não são consideradas satisfatórias. Com o ingresso na web do conteúdo offline, grande parte do conhecimento humano presente nos livros estará também disponível para consulta na internet.

Representantes do Google Book Search já estiveram em várias partes do mundo tentando alinhavar contatos para ampliar o propósito que, por enquanto, só disponibiliza o acervo de bibliotecas dos Estados Unidos e Inglaterra. A proposta que está sendo feita, inclusive aqui no Brasil, se dirige principalmente aos editores. Sugerindo entrar com a tecnologia e digitalizar gratuitamente as obras para serem inseridas no banco de livros, o Google pensa disponibilizar, por enquanto, apenas partes dos textos aos internautas. Este, vendo que o livro que ele busca tem o assunto que lhe interessa, pode clicar no link de uma livraria para comprar o livro ou uma biblioteca onde possa consultá-lo. À primeira vista, o projeto deveria agradar editores, mas muitos deles acreditam que o usuário vai se satisfazer apenas com o trecho lido.

– Para muita gente, aquela pequena parte em que teve acesso já é suficiente e não vai, necessariamente, comprar o livro – afirma a diretora da Biblioteca Central da UFRGS, Viviane Castanho.

Enquanto não consegue a autorização dos editores para digitalizar os volumes inteiros, o Google segue inserindo trechos das obras, pois considera que, para isso, não necessita a autorização do detentor dos direitos autorais. Mas os editores de todo o mundo têm protestado, afirmando que o ato de scannear os livros sem autorização é uma reprodução ilegal. O maior grupo editorial francês, o La Martinière, já apresentou uma denúncia de cópia e ataque ao direito de propriedade intelectual contra o Google. Escritores e editoras norte-americanas, representados pelas Authors Guild e Association of American Publishers, também movem processos contra a ferramenta.

– Prejudica (os editores), pois disponibiliza o livro para leitura e estimula a pirataria. Portanto, o leitor não precisa comprar o livro – diz o editor da L&PM Editores, Ivan Pinheiro Machado.

A polêmica também inquieta os escritores, que temem não receber pelos direitos autorais de suas obras.

– Como a internet é ainda uma jovem mídia, e muito rápida, as legislações dos países estão atrasadas. Mas creio que chegaremos a um denominador comum. Afinal, se entro num supermercado e levo pra casa algumas coisas sem pagar, devo ser processado. Então, podemos entrar no supermercado-internet, pegar livros inteiros de autores vivos e não pagar? – diz o escritor gaúcho Charles Kiefer.

No entanto, o Google Book Search também começa a considerar novas propostas de negócios,  trabalhando com  modelos próprios para a web, como a venda por páginas ou o pay per view. Neste sentido, os autores se demonstram favoráveis a um modelo de oferta de conteúdo online, com a condição de que o direito autoral seja garantido.

– Não vejo como (o projeto) poderia prejudicar os autores, desde que o direito autoral seja respeitado. É provável que os idealizadores dessas bibliotecas virtuais cheguem a um método para remunerar os autores por downloads, page views, algo assim. A migração da literatura para a internet não é uma opção. Ela já está acontecendo e vai tomar proporções cada vez maiores. Desde que leis sejam respeitadas, o saldo provavelmente será positivo – afirma o escritor Daniel Galera.

Do lado dos usuários, a proposta parece mais atrativa e amplia o debate para a democratização do acesso à informação.

– O lucro social sobre a informação gratuita e de livre acesso vai ser muito maior do que o prejuízo de meia dúzia de editoras – afirma o publicitário e mestrando em administração Lucas Casagrande.

Além da discussão em torno das questões legais, a revolução editorial provocada pelo Google traz à tona o medo de concentrar um tal poder – de  colocar na rede parte do conhecimento universal – nas mãos de apenas um grupo norte-americano. As opiniões divergem neste sentido, mas é unânime o sentimento de inquietude frente ao tema.

– A internet é mantida, dominada e comandada pelos Estados Unidos que tem todo o poder sobre ela. Eu não acredito nos benefícios da universalização de culturas. É uma utopia. A tendência é uma cultura dominante destruir outras menores e economicamente inferiores. É o caso da internet – diz Ivan Pinheiro Machado.

A polêmica também tem um lado positivo. Segundo Daniel Galera, o fato de fornecer textos na internet resulta em um poderoso meio de acesso às obras e à pesquisa. O problema, afirma ele, está na forma como a proposta será levada a diante pelo Google.

– A única questão relevante me parece ser a da escolha das obras. Seria interessante se o acervo do Google contemplasse os mais variados idiomas, e não apenas o inglês – pondera Daniel Galera.

Já Lucas Casagrande acredita que haverá duas ou três editoras e essas ditarão o que estará e o que não estará na internet.

– Felizmente o meio eletrônico possibilita o surgimento de outras organizações a baixo custo, mas é ver pra esperar – afirma Lucas.

Outro medo, no entanto, ainda não aparece assustar editores, escritores, bibliotecários e usuários: o fim do livro e das bibliotecas. Apesar de o conteúdo disponível na internet crescer a passos largos, os antigos suportes parecem conviver harmoniosamente com as ferramentas digitais. As bibliotecas tradicionais, de acordo com Viviane Castanho, não são apenas depositórios de livros.
 
– Além do acervo em material impresso que as bibliotecas colocam à disposição, tem uma série de serviços oferecidos pelas bibliotecas, como pessoal especializado em auxiliar o usuário a exatamente encontrar o material que ele precisa. A gente tem muita informação na internet, uma gama tão grande de locais onde podem estar as informações, que fica difícil para o usuário, que não seja da área, localizar tudo aquilo. Ele pode estar deixando muita coisa importante de fora em uma pesquisa. Esse é o outro papel que a biblioteca faz, de auxílio na busca da informação.

E os livros devem continuar a evoluir, mas nunca deixarão de existir, conforme destaca Charles Kiefer:

– Novas formas tecnológicas não destroem antigas. O cinema não destruiu o teatro, por exemplo. O que está mudando é o suporte material, apenas isso. O livro será livro de papel ou de fótons. O livro já foi velino, papiro, papel de pano. Talvez tenha chegado a hora de ele ser luz.

HELENA KEMPF
 
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