| 17/12/2007 05h
A paixão incondicional é o que move três colorados que se propuseram a fazer tudo em busca de um sonho. Um mês antes do Mundial de Clubes de 2006, Zero Hora contou a história de torcedores que adiaram planos, venderam bens, fizeram promessas e até pequenas loucuras para ter a chance de ver o Inter campeão do mundo pela primeira vez. Em comum, o analista de sistemas Filipe Gatti e o bancário Marcus Vinícius da Cruz têm as recordações da vitória em Yokohama. O taxista José Carlos Camilo Pereira não teve a mesma sorte: assistiu ao gol de Gabiru na TV de um restaurante da Estação Rodoviária de Porto Alegre, entre uma corrida e outra. Um ano depois, os colorados contam como viveram a maior conquista da história do clube.
Desta vez, Dubai fica para depois
O nascimento de Gabriel envolveu uma logística que o pequeno só entenderá quando começar a freqüentar o Beira-Rio levado pelo pai, o analista de sistemas Filipe Gatti, 45 anos.
Enlouquecido com a possibilidade de ver o Inter
campeão do mundo no Japão, Filipe adiantou em dois dias a cesariana da mulher, Cristina, envolveu as famílias do casal, mudou a data das férias da mãe e montou uma operação para dar suporte nos primeiros dias de vida do menino, hoje com um ano.
— Ele nasceu no dia 8 de manhã. Fiquei lá naquele dia, dormi no hospital e embarquei na madrugada do dia 10. Parte do coração ficou aqui, mas era uma oportunidade única — diz o colorado fanático, também pai de Bruno, oito anos, e Bernardo, três.
A cada escala até Tóquio, um telefonema para saber se tudo estava bem. Na chegada ao Oriente, cansado da viagem, do fuso horário e da emoção do parto, Filipe ainda quase ficou sem ingresso:
— Estava em um restaurante e aproveitei para tirar uma foto dos ingressos. Só que esqueci em cima da cadeira e só me dei conta quase na hora de ir para o jogo contra o Al Ahly. Saí correndo, desatinado, pela rua, fui para o lado errado. Foi uma coisa de louco.
Depois de achar um funcionário do hotel que
falasse inglês para indicar o caminho correto, Filipe chegou ao restaurante esbaforido e apreensivo. Quando indicou ao garçom o local onde havia deixado as entradas, avistou: o envelope continuava lá, intocado.
— Fiquei fascinado com a cultura japonesa. O restaurante estava lotado e ninguém mexeu nos ingressos. Voltei correndo e peguei um dos últimos ônibus para o estádio. Nem deu tempo de tomar banho — recorda.
Com ingresso na mão, viu Fernandão erguer a taça e mal teve tempo para a comemoração depois. Antecipou o retorno para não perder outro compromisso de pai: a formatura de Bruno na escola. Chegou a Porto Alegre campeão e cheio de presentes para os filhos e Cristina.
— Ela merecia, né? Me apoiou e entendeu que eu tinha de ver o Inter. Até queria ir com ela para Dubai agora, mas aí não vou deixar o Gabão sozinho de novo, não é? — justifica, agora mais contido.
A família Cruz ainda está pagando as
contas
Eles venderam 10 filhotes da cadela de
estimação, computador, playstation e filmadora. Em vez do hotel luxuoso com diárias de US$ 150, um albergue de US$ 17. A fatura do cartão de crédito, um ano depois, ainda está sendo paga. Apesar do aperto nas contas, o bancário Marcus Vinícius da Cruz garante: eles fariam tudo de novo.
— Conseguimos juntar uns R$ 4 mil . Não deu para pagar toda a viagem, claro, mas ajudou muito — conta o colorado, que ignorou as agências de turismo e montou um pacote econômico para poder levar a mulher e o filho ao Japão. — O guri nem reclamou que vendi o video game.
Para o Oriente levou três faixas e a cara-de-pau para convencer os metódicos japoneses a autorizar que os panos vermelhos fossem pendurados no estádio. A maior das faixas dizia, em inglês, "se vocês jogassem no céu, morreria para vê-los". Com a paixão como argumento e nove horas de antecedência, chegou ao estádio para a final:
— Fui cedo para chorar um pouco para os caras. Precisava pendurar as minhas
faixas, mas como comprei ingresso em
setor mais barato, ficaria no meio da torcida do Barcelona. Fomos nos entendendo no inglês e eles trocaram meus ingressos. Ficamos junto com o resto da torcida, foi sensacional.
De volta ao Brasil, Marcus ainda não quitou todas as despesas da viagem. A promessa pelo título mundial, no entanto, foi acertada no começo do mês. Como fizera após a conquista da Libertadores, caminhou do Beira-Rio até o Santuário de Padre Réus, em São Leopoldo, em nove horas de trajeto. Ainda entusiasmado com o resultado do bazar feito às pressas para ir ao Japão, Marcus oferece:
— Tenho mais uns filhotes para vender. Avisa aí, se tiver algum interessado, posso ir ao jantar do Inter na segunda-feira.
Zé do Táxi confia: ainda vai viajar de avião
O cartaz no vidro traseiro do Uno Mille ano 2003 resistiu até o Mundial de Clubes. O anúncio itinerante atraiu apenas três interessados em quase seis meses. Nenhum deles, no entanto,
disposto a pagar os R$ 150 mil que o taxista José Carlos
Camilo Pereira, 63 anos, pediu pelo carro, a licença e a vaga no ponto da Rodoviária.
— Acabei não vendendo. Não deu para fechar negócio com ninguém — conta o Zé do Táxi, como é conhecido no ponto em que trabalha há mais de 25 anos.
O dinheiro da venda realizaria dois sonhos: viajar de avião e ver o Inter ser campeão do mundo. Com a sobra, compraria outro táxi para seguir trabalhando — e, quem sabe, acompanharia o time em algum dos jogos do Brasileirão. Viu as chances de viajar diminuírem a cada dia e acabou assistindo ao gol de Gabiru em um restaurante da Estação Rodoviária, cercado de gremistas e entre uma corrida e outra.
— Estava tão nervoso que achei melhor até ficar trabalhando, só que não tinha ninguém na rua na hora do jogo. Acabei indo para a frente da TV. Ainda bem — recorda seu Zé, que ainda se diverte com a expressão dos companheiros gremistas depois da conquista.
Ainda sem planos de se aposentar das corridas, Zé não
desiste de embarcar pela primeira vez em um
avião.
— O sonho continua. Se tiver oportunidade, eu vou. Se for para ver o Inter, melhor.
Confira o especial Mundo Vermelho — Um Ano da Conquista do Mundial
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