| 03/02/2008 21h23min
Para o diretor José Padilha, a seleção de Tropa de Elite para a mostra competitiva do Festival de Berlim tem um doce sabor de revanche. No Brasil, o filme foi visto por cerca de 2,5 milhões de espectadores nos cinemas e multiplicou este número por quase seis no chamado "mercado informal", pois Tropa de Elite virou um fenômeno de pirataria muito antes de estrear nas salas. Tudo isso e mais a violência do filme, seu olhar sobre o Batalhão de Operações Especiais e a criação de um personagem como o Capitão Nascimento, fez de Tropa de Elite uma obra muito polêmica por seu significado político e sociológico, mas cinema mesmo, pouca gente se preocupou em dissecar a construção dramática e a simetria audiovisual.
Para Padilha, a ida a Berlim recoloca as coisas nos eixos. Como Zagallo que, vitorioso, dizia que a torcida brasileira ia ter de agüentá-lo, o diretor de Tropa de Elite espera que agora,
finalmente, seu filme seja valorizado, ou debatido, como cinema:
- O
público de Berlim não tem o envolvimento do brasileiro em relação ao assunto. Aqui, o Capitão Nascimento virou um herói, embora ele não tenha sido concebido, nem desenvolvido, desta maneira. Estou muito curioso para saber como vai ser a recepção do filme em Berlim - diz Padilha para o repórter numa conversa no jardim de sua produtora, na Lagoa, no Rio de Janeiro. Wagner Moura, que mora ali perto, foi a pé.
Wagner está cheio de expectativa em relação a Berlim. Ele já foi a Cannes com Cidade Baixa, de Sérgio Machado, no qual dividia a cena com Alice Braga e Lázaro Ramos. Alice fez a festa na Croisette. Talvez tenha sido ali que ela catapultou sua carreira internacional. E Wagner?
- Quero ver, conhecer, sou muito curioso. Pelo que me diz o Zé (Padilha), acho que o filme já está acontecendo por lá.
José Padilha não pára de dar entrevistas por telefones para jornais europeus. O Brasil tem tradição de premiação na Berlinale. Já ganhou o
Urso de Ouro, por Central do Brasil,
de Walter Salles, e três atrizes brasileiras receberam o prêmio de interpretação: Marcélia Cartaxo, por A Hora da Estrela; Ana Beatriz Nogueira, por Vera; e Fernanda Montenegro, por Central do Brasil.
A curiosidade por Tropa de Elite antecede a própria exibição do filme, que ocorre logo nos primeiros dias do festival que começa na quinta-feira. Afinal, todo mundo já sabe da reputação polêmica de Tropa de Elite no Brasil. A própria seleção para Berlim é uma história que merece ser contada.
- Nosso primeiro convite foi para o Panorama, uma das mostras paralelas, o que já seria bacana. Mas o Harvey Weinstein, distribuidor internacional de Tropa de Elite, queria a competição que daria uma visibilidade maior ao filme. Ele pressionou a organização, dizendo que se não fosse para a competição, o filme iria para o Sundance. A direção-geral decidiu-se logo
e o Tropa foi um dos primeiros filmes anunciados antes que toda a seleção fosse
divulgada - conta Padilha.
Na cabeça de Padilha, o Capitão Nascimento, Sandro, não é um herói, mas foi assim que a maioria do público brasileiro, carente de segurança, o recebeu. Ele também corrige uma informação que deu muito o que falar desde setembro do ano passado, quando Tropa de Elite inaugurou o Festival do Rio. A tese do filme, de que a classe média financia o tráfico, provocou prós e contras na imprensa. Hoje, Padilha substitui a palavra "financia" por "sustenta" e nisto vai uma diferença e tanto. Decepciona-se quem gostaria de ver o diretor, às vésperas do Festival de Berlim, polemizar com seu colega brasileiro Mauro Lima, que, em Meu Nome Não é Johnny estaria dando uma resposta a Padilha e à sua Tropa de Elite, livrando a cara da classe média.
O problema é complexo. A classe média, como consumidora, sustenta o tráfico, mas aposta no Capitão Nascimento para seguir dormindo em paz. Ele mata,
tortura, faz o que for preciso, em nome da lei e da ordem. Não é um
herói hollywoodiano, nem um personagem politicamente correto. É um personagem real. Foi isso o que tornou Tropa de Elite atraente para os irmãos Weinstein, que já haviam distribuído Cidade de Deus nos EUA, colocando o filme em quatro categorias do Oscar, um ano depois de ele ter ficado de fora da categoria de melhor filme estrangeiro. Tropa de Elite também concorreu à indicação pelo Brasil, mas foi preterido em função de O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, de Cao Hamburger, que ficou entre os nove finalistas da categoria. Quem sabe Berlim e um futuro lançamento nos EUA também não colocam Tropa de Elite na rota do Oscar.
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