| 05/04/2008 07h43min
Houve tempo, não muito distante, em que os fãs do Campeonato Inglês faziam parte de uma estranha comunidade de excêntricos que, por algum estranho desvio, gostavam de um futebol sem imaginação, de pouca inteligência e de uma irritante mania de preferir os cruzamentos pelo alto. Era sinônimo de futebol sem criatividade. Mudou tudo nos últimos anos - e como mudou. Desde que o chamado Relatório Taylor, em 1989, fez um diagnóstico explicando por que o futebol inglês era ruim em campo e violento nas arquibancadas, domínio quase exclusivo dos temíveis hooligans, tudo mudou. Não há prazer maior hoje em dia, para quem gosta de bom futebol, do que acomodar-se diante da TV e assistir aos jogos da Premier League, o milionário e bem organizado campeonato inglês. A pequena confraria de excêntricos de antes, que sabiam tudo sobre Leeds e West Ham, virou uma multidão de admiradores, que não pára de crescer - e com toda a razão.
Imagine um lugar em que você possa sair de casa com a família, sem qualquer
preocupação, chegar a um estádio moderno e confortável, com acomodações dignas para o público, sentar-se no lugar numerado (e respeitado pelos outros), ter diante de si um gramado quase perfeito e times que costumam montar verdadeiras seleções mundiais. Parece ficção, mas para quem gosta de futebol é um paraíso. As soluções do comitê que elaborou o Relatório Taylor, logo depois da tragédia que custou a vida de 89 pessoas no Estádio Hillsborough, antes do jogo entre Liverpool e Nottingham, foram tão eficientes que provocaram uma faxina. Além da punição rigorosa aos baderneiros, que foram banidos, as ações incluíram melhoria dos estádios, o fim dos alambrados e a reorganização dos clubes. Hoje, a torcida fica bem perto do campo, com os jogadores quase ao alcance das mãos, mas sabe bem qual seu lugar. Qualquer invasão ou agressão resulta no banimento. Um futebol assim só poderia mesmo dar um salto de qualidade e abarrotar os cofres. Hoje, é o mais rico entre os filiados da Fifa - e tão forte que classificou
metade dos times que estão nas quartas-de-final da Liga dos Campeões.
Há bem poucos anos, era normal ver brasileiros em viagem pela Europa fazer coincidir seus programas com jogos dos campeonatos da Itália e da Espanha. Lá estava o futebol mais organizado do planeta. Quem tinha condições seguia atrás do espetáculo. Agora, os turistas abonados tomam o rumo da Inglaterra. O estrangeiro que vai a um jogo no Emirates ou no Old Trafford não torce necessariamente para o Arsenal ou o Manchester United de Rooney e Cristiano Ronaldo (foto). Ele quer ver um espetáculo de futebol. Onde você poderia fazer isso no Brasil? Tente ir ao Olímpico ou ao Beira-Rio apenas pelo prazer de ver o Gre-Nal, por exemplo. Nem vamos considerar aí bombas que arrancam mãos de torcedores, risco de ser agredido, correrias. Tudo isso já seria suficiente para manter o torcedor em casa, como ocorre com muitos atualmente, mas há mais. Não há lugar para quem pretende apenas ver o clássico, e quem insistir será constrangido
ou ameaçado.
Futebol nos estádios - ou até nos ginásios, como ficou claro pela briga generalizada entre palmeirenses e corintianos no futsal - virou um mundo de intolerância e fanatismo. Está perdendo a graça. Espetáculo mesmo vem pelo satélite.
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