| 31/01/2009 20h36min
Evangélica fervorosa, Maria Onilda de Aquino aplicava sempre o mesmo castigo quando o caçula aprontava alguma: ler a Bíblia. A punição aumentou o gosto pelas palavras no menino, um apaixonado por História e arqueologia que se destacava como zagueiro nos torneios de várzea entre favelas de São Paulo. Aos 31 anos, Álvaro derrubou estigmas e estereótipos: é titular do Inter que enfrenta neste domingo o Sapucaiense, às 19h10min, no Beira-Rio, e segue apaixonado pela cultura, sem esquecer as raízes:
— A periferia permanece de forma profunda na minha vida. Apesar de buscar cultura e informações, continuo um negão grosso.
A vida de Álvaro, como ele mesmo diz, começou aos sete anos, na favela Santa Clara, em São Paulo. Foi quando a família deixou Nilópolis, no Rio de Janeiro, porque o pai, Álvaro Ferreira de Aquino, tinha perdido o emprego de soldador no Estaleiro Mauá, após 18 anos de trabalho. Como diziam os três irmãos mais velhos, pegou a parte ruim da vida.
Com problemas de alcoolismo,
Álvaro pai deixou a família abandonada à própria sorte na capital paulista — voltaria cerca de dois anos depois. Dona Maria Onilda seguia trabalhando em uma fábrica local depois de sofrer um derrame e dois infartos. Cercado pela criminalidade, o pequeno Álvaro se livrou do mundo do tráfico pelas boas atuações como zagueiro nas disputas da favela.
— Todo bandido ama futebol. Eles nunca permitiram que eu me envolvesse com o tráfico. Falavam: “pô, você tem futuro” — lembra.
Foi duro, porém, ser aceito em um grande clube. Álvaro passou por Botafogo, Portuguesa, Portuguesa Santista e somente no quinto teste no São Paulo conseguiu lugar nas categorias de base, aos 14 anos. Enquanto corria rumo ao profissional, seguia como um dos mais aplicados alunos da Escola Benigno Ribeiro, local onde, diziam, “entrava burro e saia lixeiro”. O filho da dona Maria Onilda foi uma exceção.
Álvaro nunca foi reprovado na escola nos Ensinos Fundamental e Médio. Passou para
o vestibular em Teologia na
Universidade Adventista de Ensino em São Paulo.
Após três anos de curso, o zagueiro pensou em largar o futebol em 1997 para seguir o Ministério Pastoral. Mas o bom momento no time profissional do São Paulo rendeu ao jogador transferência ao Las Palmas, da Espanha, em 2000.
Na Europa, Álvaro encontrou um lugar onde podia nutrir suas duas paixões. Jogava futebol e ampliava os horizontes culturais. Nas férias, visitou Egito e Arábia. Apaixonou-se pela riqueza histórica. Tomou gosto pela pintura com um amigo espanhol e passou a ir a leilões. Arrebatou 285 livros de uma só vez em Portugal. Adquiriu gosto por rock internacional, pouco comum entre atletas brasileiros. Devido ao frio, aprendeu a se vestir com elegância. Quando entrou todo alinhado pela primeira vez no vestiário do Beira-Rio, Edinho gritou para os demais:
— Ih, chegou o pastor!
Atleta quer erguer biblioteca com mais de mil livros
Álvaro não gostou da
brincadeira. Sempre foi tímido, meio fechado. Contudo, logo
percebeu que o clima no vestiário era sempre festivo com Edinho. E descontraiu. Quando o assunto foge do futebol no vestiário, o zagueiro dificilmente encontra reciprocidade. Seu estilo foge à tradição dos jogadores.
— Ele tenta passar algo, mas quando começa a falar demais a gente dá uns cortes — sorri Magrão.
O objetivo de Álvaro neste retorno ao Brasil é criar raízes, fixar residência em uma cidade para montar uma casa com vários ambientes. Quer construir uma biblioteca com seus mais de mil livros. Terá a enciclopédia Barsa, livros de ficção, pintura e documentos antigos. Quer decorar a casa com réplicas de grandes pintores, como Picasso, e outras obras de arte adquiridas ao longo da carreira. Um lar aconchegante para o “negão grosso”, como ele se define.
— Estive na Costa do Sauípe nas férias e conversei com o (cantor) Seu Jorge. Ele me disse assim: “Álvaro, estudei somente até a quarta série. Saí da favela, mas a favela nunca saiu de mim”. Sou
assim também — resume.
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