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 | 21/10/2004 19h13min

Representante de familiares de desaparecidos critica postura de Viegas

Suzana Lisbôa participou de entrevista online no clicRBS nesta quinta

A divulgação, nesta semana, de fotos do jornalista Wladimir Herzog no Doi-Codi, em São Paulo, onde foi morto em 1975, reacendeu a polêmica sobre a tortura e a morte de cidadãos contrários ao regime militar. Na quarta-feira, dia 20, o ministro da Defesa, José Viegas, disse não estar motivado com o caso. Nesta quinta-feira, dia 21, em entrevista online com a participação de internautas, a representante das famílias na Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos Suzana Lisbôa disse que espera um pedido de desculpas do ministro da Defesa, José Viegas, "pelos absurdos que tem dito".

Desde a década de 70, Suzana, que é viúva de Luiz Tejera Lisbôa, morto pela repressão militar, realiza um trabalho de cobrança pelo resgate da verdade em torno do que ocorreu nos porões da Ditadura.

A seguir, a íntegra da entrevista.

Pergunta – Suzana, de que forma um fato como essa divulgação de fotos do Herzog no Doi-Codi em São Paulo impacta no trabalho de resgate da verdade sobre o que ocorreu com os mortos e desaparecidos, vítimas do regime militar?
Resposta –
Impacta profundamente, se realmente forem fotos de Herzog. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados está solicitando perícias para comprovação. O que mais importa aos familiares é que a história dos mortos e desaparecidos ainda não foi contada e não pode ficar sem ser conhecida e escrita.

Pergunta – A senhora acredita que este fato pode ajudar na abertura dos arquivos sobre o período?
Resposta –
Acredito que sim, porque houve um clamor nacional em torno do assunto. Estávamos muito sozinhos até acontecer este fato. Agora, temos apoio nacional e internacional.

Pergunta – Qual a sua avaliação sobre a atuação do governo Lula até agora em torno desta questão?
Resposta –
O presidente Lula se portou em relação ao assunto como se portaram todos os anteriores. a lei que reconheceu a existência de desaparecidos e incluiu os mortos comprovadamente assassinados foi ampliada no governo Lula para incluir casos antes não contemplados. Mas nada relativo ao resgate da verdade e da justiça.

Pergunta – Havia maior expectativa em torno de Fernando Henrique e de Lula, já que ambos combateram tanto a Ditadura no começo de suas carreiras políticas e foram eles próprios vítimas do regime?
Resposta –
Sem dúvida. não imaginávamos que os governos democraticamente eleitos tentariam passar uma borracha na História, dizer que é passado. O ministro da Defesa, Viegas, diz que não tem porque se preocupar com o assunto porque é passado. E os desaparecidos? E os familiares? E os que morreram pela liberdade? Isso é presente, e não apenas para os familiares. É presente para a sociedade, que tem o direito e o dever de conhecer o passado.

Pergunta – Isso pode ser por receio de desagradar as militares?
Resposta –
Parece que sim. Ao recorrer da sentença que deu aos familiares do Araguaia o direito de conhecer os documentos e as circunstâncias das mortes dos desaparecidos e de receber os corpos, o pesidente Lula só agradou aos militares. Basta ver o que disse o Exército agora. Apesar de ter se retratado, achamos que oi pouco. Queremos mais, queremos a verdade.

Pergunta – Qual o real valor de uma indenização em dinheiro para casos de tortura e morte durante o regime?
Resposta –
Há duas comissões em nível federal que tratam da questão de indenização. Uma é a dos Mortos e Desaparecidos, que funciona junto à Secretaria Nacional de Direitos Humanos. Outra é a Comissão da Anistia, junto ao Ministério da Justiça. Para os mortos e desaparecidos, a lei dá uma indenização de R$ 100 mil a R$ 150 mil. A da Anistia, se for solicitada prestação única, tem o teto de R$ 100 mil. Se for prestação continuada, não tem teto. Aí é que estão as indenizações milionárias.

Pergunta – A senhora acha que a imprensa brasileira está realmente engajada em esclarecer os casos de torturas e mortes durante o regime militar?
Resposta –
Infelizmente, a mídia só dá respaldo quando acontece um fato muito relevante, como esse. Não há uma interferência constante cobrando explicações. E, muitas vezes, os fatos não são esclarecidos. Todo mundo confunde a comissão da anistia e a dos desaparecidos e mortos. O corpo do Hass Sobrinho, médico morto no Araguaia, ainda não foi encontrado. Esse é apenas um exemplo entre tantos. Há algum sentimento pior para familiares do que a desinformção?

Pergunta – Há muita desinformação dentro da própria imprensa?
Resposta –
Infelizmente sim. Noutro dia um jornalista do centro do país teimava comigo que Araguaia era na Argentina!

Pergunta – Como isso pode ser revertido? Há como ser revertido?
Resposta –
Acho que os próprios familiares não conseguem se encarregar de ter uma divulgação constante, de explicar. Todo mundo sabe quem são as Madres de Plaza de Mayo. Quase ninguém conhece e reconhece os familiares no Brasil. Não temos nenhum tipo de suporte financeiro e o país é grande demais. Neste ano houve muita divulgação em torno dos 40 anos do golpe militar. Temos também aqui no Estado a Comissão do Acervo, no Memorial, que está sendo reativada.

Pergunta – O Brasil é país que registra grande número de mortes de jornalistas. Isso ainda é reflexo da época da repressão?
Resposta –
O que sempre dissemos é que a violência, a tortura e as mortes que ocorrem hoje no país são reflexo da impunidade dos crimes da ditadura.

Pergunta – Este ano a Lei da Anistia fez 25 anos. Quais as maiores vitórias obtidas desde 1979 e quais as principais derrotas?
Resposta –
A anistia que conquistamos foi parcial e restrita. Até hoje se corre atrás de ampliações. A maior vitória é que a anistia foi o início do fim da ditadura. A maior derrota foi em relação aos mortos e desaparecidos e quanto à suposta anistia aos torturadores, que para nós não está no texto da lei, mas que assim foi entendida. Muitos presos políticos não saíram com a anistia e sim tempos depois, quando houve reformulação na Lei de Segurança Nacional que atenuou as penas. E saíram em liberdade condicional. Voltando à pergunta acerca do corpo do João Carlos Haas e aos desaparecidos em geral, o que fica para os familiares é a dor da incerteza. Desde a anistia, dos cerca de 160 desaparecidos no Brasil, resgatamos apenas três corpos para sepultura. É uma tortura e uma dor sem fim.

Pergunta – Como estão os trabalhos da Comissão do Acervo da Luta contra a Ditadura, aqui no Estado?
Resposta –
A Comissão do Acervo passou por um período difícil, quando houve tentativa de retroceder nas conquistas. Agora, está a pleno vapor, sob s coordenação de João Carlos Bona Garcia, tentando legalizar o acervo e reassumir suas atividades.

Pergunta – É possível que o exército ainda guarde informações sobre a localização de corpos como os dos guerrilheiros do Araguaia?
Resposta –
Os arquivos existem. Temos certeza. Pouco a pouco surgem uns pedaços de informações e de arquivos. Temos certeza de que não foram destruídos integralmente.

Pergunta – Qual a sua avaliação sobre a declaração do Ministro José Viegas de não estar motivado pelo Caso Herzog
Resposta –
Temos de fazer o Ministro Viegas nos pedir desculpas, pelos absurdos que tem dito.

Pergunta – A senhora não acha que o ensino brasileiro deixa muito a desejar em relação ao período da ditadura militar?
Resposta –
O ensino deixa a desejar sim. Noutro dia fui procurada por um grupo de estudantes que tinham de fazer um trabalho, e quando começaram a gravar, ficaram muito tristes e surpresos, porque procuravam alguém que defendesse a ditadura, e não que atacasse. Me procuraram sem entender e sem saber. Fiquei tentando ajudá-los a falar com o vereador Pedro Américo Leal. Essa história ainda não faz parte da história oficial e somente os professores interessados no assunto é que a incluem.

Pergunta – Qual seria o desfecho ideal para este novo Caso Herzog?
Resposta –
Li uma entrevista de Clarice (Herzog, viúva do jornalista) dizendo que a família não quer que seja reaberto. Já provaram que foi assassinado, já sofreram e sofrem com a perda. O que é incrível é que a morte de Herzog despertou um clamor que recrudesceu a tortura. E hoje, 29 anos depois, sua morte pode significar um clamor pelo resgate da verdade, pela apuração dos crimes, pelo julgamento. Quem quiser saber mais desta história, pode acessar www.desaparecidospoliticos.org.br ou pode procurar, no memorial do Rio Grande do Sul, na Praça da Alfândega (em Porto Alegre), a Comissão do Acervo.

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