| 10/04/2006 20h15min
O repórter de Zero Hora Rodrigo Lopes disse que os três candidatos que lideram nas eleições à Presidência do Peru não apresentam propostas concretas. Lopes, que falou ao clicRBS direto de Lima, disse que o discurso dos políticos é vazio, sem grandes propostas e baseado em ataques mútuos.
– Muita gritaria e pouca apresentação de medidas concretas – resumiu o jornalista.
A entrevista online com Rodrigo Lopes foi monitorada por Cláudia Ioschpe, que avaliou as perguntas dos internautas. As mais relevantes foram publicadas.
clicRBS – As eleições no Peru ocorreram com clima muito tenso, e Ollanta Humala chegou a ser insultado por opositores e o local em que votou. Como está o ânimo da população peruana depois de as primeiras projeções terem sido divulgadas?
Rodrigo Lopes – Hoje está mais calmo. Parece que a agressividade cedeu lugar à expectativa. Ninguém quer cantar vitória antes do tempo, até porque está indefinido quem vai para o segundo turno. Mas, ontem, o dia foi de muita tensão, com troca de acusações. A votação de Humala, quando jogaram pedras no candidato e quebraram vidros no local de votação, foi a pior parte. Sabe aquele monte de gente que vem em tua direção, em um arrastão? Foi mais ou menos assim...
clicRBS – As manifestação contra Humala foram de fato coordenadas pelos seus opositores?
Rodrigo Lopes – Não foi uma manifestação coordenada. O Humala tentou dizer isso para capitalizar para si a confusão, acusando seus opositores. Mas a real é que ele foi votar em uma universidade que fica localizada em um bairro de classe média. E quem é da classe média, geralmente, vota por Lourdes Flores e Alan García. Os eleitores ficaram sabendo que Humala ia votar lá e foram ficando, esperando até a chegada dele.
clicRBS – De acordo com últimos dados oficiais, o candidato Alan García irá disputar o segundo turno com Humala. Há possibilidade de que os votos que ainda faltam ser apurados possam reverter a situação e colocar Lourdes Flores novamente na frente?
Rodrigo Lopes – Eu não diria com tanta certeza que García vai para o segundo turno. Dados oficiais mostram neste momento, com 70,8% dos votos apurados: Garcia com 25,29% e Lourdes Flores com 24,98%. Isso é cerca de 30 mil votos. É muito pouca a diferença. Pode mudar tudo nas próximas horas de novo, e duvido que saibamos o resultado ainda hoje. É preciso levar em conta que o Alan García tem força no interior. O partido dele, o Apra, é como o PMDB no Brasil, bastante forte no interior.
clicRBS – Os votos que faltam ser apurados são de alguma região que vota mais em um ou outro candidato? Em caso positivo, qual deles será beneficiado?
Rodrigo Lopes – Sim, faltam as urnas do interior, principalmente de locais mais remotos. Isso favoreceria o Alan García.
Pergunta de internauta – Além da Zero Hora, que outros veículos brasileiros enviaram jornalistas para cobrir a eleição peruana?
Rodrigo Lopes – Estão aqui correspondentes da Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e O Globo. Um repórter da Rede Globo e outro do SBT também estão aqui. São os que eu encontrei por enquanto.
Pergunta de internauta – O povo peruano tem uma boa memória do governo Alan García?
Rodrigo Lopes – Não tem, não. Há muitos jovens que dizem: "Meu pai disse que o governo do Alan García tinha muita inflação" Ele foi presidente de 1985 a 1990. E, de fato, foi um governo com hiperinflação e de guerra terrível contra o Sendero Luminoso, o grupo extremista.
clicRBS – Somados, os votos de Lourdes Flores e Alan García chegam a cerca de 50%. Em vista disso, quais são as chances de que Humalla ganhe no segundo turno?
Rodrigo Lopes – O cálculo está corretíssimo. Com base nele, é possível prever que o Humala perca seja quem for o candidato adversário. Ainda mais que ele manteve uma retórica agressiva e se dizendo a única opção aos políticos tradicionais. Agora, ele pode precisar desses tais políticos tradicionais...
Pergunta de internauta – Na comparação com o Brasil, como se dá a eleição peruana?
Rodrigo Lopes – Comparando com o Brasil, é muito mais complicado. Aqui, 50% da população é pobre, está descrente em relação aos políticos. Bem mais do que no Brasil. É uma sociedade altamente autoritária. Mais de 50% da população disse que não acredita na democracia, principalmente por causa dos políticos. Uma semelhança é que há muitos partidos. Vinte candidatos disputaram a eleição de ontem para presidente. A festa é a mesma: muitas bandeiras, cartazes e sujeira nas ruas... O discurso dos políticos é vazio, sem grandes propostas, baseado em ataques mútuos. Muita gritaria e pouca apresentação de medidas concretas.
clicRBS – Os pais de Humala são ideólogos de um movimento que eles chamam de etnonacionalismo. O candidato demonstra afinidade com as idéias xenófobas de seus pais?
Rodrigo Lopes – Não. Inclusive Humala renegou a teoria dos pais. Ele se declara apenas como nacionalista. Para quem não sabe - o que eu também não sabia até vir para cá -, o movimento etnonacionalista defende um Peru exclusivamente para os indígenas. Ou seja, os brancos peruanos teriam que ser peruanos nacionalizados...
clicRBS – Qual a opinião de Humala sobre a homossexualidade? Como ele reagiu à declaração de seus pais de que os homossexuais deveriam ser fuzilados para que não houvesse tanta imoralidade nas ruas?
Rodrigo Lopes – Não tive a oportunidade de perguntar a ele sobre os homossexuais. Mas soube que o Humala desautorizou seus pais a falar com a imprensa depois que a sua mãe disse essa bobagem.
Pergunta de internauta – Eu estou com medo de viver em uma América do Sul cada vez mais esquerdista. Como o povo peruano está reagindo à ''comunização'' do continente?
Rodrigo Lopes – A maioria dos peruanos não tem essa idéia de que há uma virada à esquerda no continente. A maioria está mais preocupada em sobreviver. Isso é triste, porque um país sem cultura – e nós, brasileiros, sabemos bem – se torna refém de discursos simplistas. E aqui me refiro aos três principais candidatos. O Humala é nacionalista, tem um discurso muito populista. Mas os dois outros não ficam muito distantes. Não apresentam propostas, não são opções de mudança.
clicRBS – A economia brasileira pode sofrer algum abalo com a eleição de Humala no Peru, da mesma forma que a presidência de Morales prejudicou os contratos da Petrobras na Bolívia?
Rodrigo Lopes – Humala moderou um pouco o discurso nos últimos dias, depois que caiu nas pesquisas. Antes, ele falava em expulsar
empresas multinacionais, bem no estilo do Evo Morales na Bolívia. Isso colocou os
investidores externos de cabelo em pé. O Humala prometeu não expulsar ninguém, mas diz que vai rever contratos com multinacionais. A Petrobras aqui no Peru atua no norte do país. Entrevistei o vice da chapa do Humala (na Zero Hora de domingo), e ele disse que a empresa está fazendo um bom trabalho.
clicRBS – Humala afirmou que não é chavista e que os investidores não têm nada a temer. Qual o risco que os analistas peruanos vêem na eleição de Humala para a economia do país? Na opinião deles, a promessa de não estatizar empresas será
mantida?
Rodrigo Lopes – De fato, o Humala tem tentado se afastar da imagem do Chávez. Mas ele já disse que vai estatizar empresas. Isso é fato. É uma sociedade muito polarizada. Mas a maioria dos analistas vê com apreensão a estatização de empresas. Acho que ele vai cumprir a promessa de estatizar, sim. E não o contrário.
clicRBS – Quais são as características de Alan García? O jornal argentino Clarín afirmou que ele é uma alternativa ao continuismo de Lourdes Flores e ao salto no vazio de Humala. Mas quais são as suas idéias em relação à economia, estatização de empresas, liberdade de imprensa, etc?
Rodrigo Lopes – O Alan García é colocado aqui como centro-esquerda. Mas, na minha opinião, ele é de centro-direita, tanto quanto a Lourdes Flores. Ou seja, defende o livre-mercado, empresas privadas. O discurso não muda muito do da Lourdes Flores. Tanto que devem se aliar no segundo turno, seja quem for para a disputa. Quanto à liberdade de imprensa, nenhum candidato é louco de dizer que é contra. Nem o Humala, que tem atacado os jornais muito intensamente e dá nos dedos dos jornalistas direto.
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