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A guerra que começou na madrugada do Oriente Médio não deixa espaço para meios-termos. Ou ela será devastadora e muito rápida. Ou será devastadora e exasperantemente longa.
Na primeira alternativa, o conflito acaba em menos de uma semana. Depois de dois ou três dias de bombardeios estonteantes, um levante dos xiitas pisoteados pelo regime de Saddam Hussein, apoiados pela nomenklatura sem disposição para afundar com seu líder, destitui o círculo íntimo do ditador no momento em que os marines avançam para Bagdá.
Na segunda alternativa, Saddam consegue se manter por semanas, até meses, encastelado em seus abrigos. Os bombardeios atingem todos os alvos previsíveis - tropas, unidades militares, palácios, centros de comando e comunicação -, mas uma resistência quarteirão a quarteirão em Bagdá impede a captura de Saddam. No pior dos pesadelos, a capital iraquiana se transforma numa Stalingrado dos anos 2000. Milhares morrem de cada lado - por tiros, bombas, fome e
doenças -, e a guerra entra
numa espiral de violência sem fim à vista. Além de Stalingrado, os russos conheceram este inferno em Grozny, a capital da Chechênia que teve de ser arrasada para ser conquistada.
Embora a guerra extensa não possa ser descartada, o primeiro cenário - a guerra curta - tem mais chances de se converter em história. Os exércitos de Saddam estão em petição de miséria e o real apoio popular do ditador é uma incógnita. O certo é que, em mais de 20 anos no poder, Saddam mandou prender, torturar e matar tanta gente que são raras as famílias iraquianas intocadas pelo regime. As que não perderam parentes próximos ou distantes já foram, de qualquer forma, massacradas por 12 anos de garrote econômico. O Iraque está cansado e, mesmo sem qualquer simpatia pelos Estados Unidos, ambiciona ardorosamente um ponto final ao lento martírio.
Com o fim da guerra, surgem novos dilemas para a delicada estabilidade mundial. Se Saddam for deposto rapidamente e com um mínimo de vítimas, George
W. Bush passa de demônio
a visionário no momento do armistício. E caso os invasores sejam festejados em ruas iraquianas, as pacifistas França e Alemanha caem para o acostamento do protagonismo mundial. Serão obrigadas a assistir a paradas da vitória sem chance de penetrar na festa.
Se os EUA chafurdarem numa guerra de horrores impensáveis diante de poços incendiados por iraquianos em fuga e marines mortos em emboscadas, Bush atira a Casa Branca numa fossa da História, desmoraliza seu futuro e, aos olhos fundamentalistas, avaliza novos atos de terror contra os EUA.
Em qualquer situação, o abismo entre os Estados Unidos e a França/Alemanha delimitará as relações do pós-Guerra Fria pelos próximos anos, talvez décadas. De agora em diante, a ONU e, por extensão, a Otan serão palcos desmoralizados para equacionar confrontos mundiais. Assim como a II Guerra liquidou a Liga das Nações, a Guerra do Iraque forçará a uma reformulação das Nações Unidas - na hipótese de que ainda haverá nações unidas
por ideais comuns.
Vencida a guerra, o óbvio desafio será administrar o Iraque, uma colcha retalhada por ódios seculares e ambições sobre seus 113 bilhões de barris de petróleo. A longo prazo, a administração Bush pensa transformar o Iraque num pólo de neutralização dos radicalismos vizinhos - Irã, Arábia Saudita e Síria, sobretudo. No enclave estratégico, a Casa Branca imagina poder instalar uma administração modelar, com democracia, respeito aos direitos humanos e, naturalmente, repressão total ao terrorismo de fundo religioso. Com a economia engraxada pelo petróleo, o Iraque seria então um farol da prosperidade a guiar os povos árabes no rumo da estabilidade e da moderação.
Visto à distância, o plano parece fazer sentido. Visto de perto, não leva em consideração que democracia ao estilo ocidental é um desejo tão estranho a determinadas culturas árabes quanto o islamismo a culturas de fundo cristão. A guerra mais extensa, incontrolável e imprevisível começa no momento em que acabar esta
guerra.
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