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 | 02/04/2005 19h21min

Papa conteve Teologia da Libertação, mas ela ainda se mantém

Corrente ultrapassou os limites do cristianismo

Quando João Paulo II iniciou seu pontificado em 1978, alguns pensavam que ele daria apoio   efervescente Teologia da Libertação, que se estendia pela América Latina e viajava a outros continentes. Naquela época, o polonês Karol Wojtyla, que começou na República Dominicana e no México a sua longa lista de viagens internacionais, atraía aplausos na América Latina e esperanças com suas mensagens em favor dos pobres.

Agora, são muitos os que consideram que, embora não a tenha sepultado, João Paulo II deteve a expansão da Teologia da Libertação, que ele via como uma aliada do comunismo e que perdeu força junto com a queda da União Soviética.

O Papa "freou a Teologia da Libertação, disso não há dúvida", disse recentemente o bispo Bernardino Piñera, ex-presidente da Conferência Episcopal do Chile na década de 1980. Mas, para o teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos mais conhecidos defensores da Teologia da Libertação, esse ideário continua vigente, principalmente na América Latina, na África e na Ásia.

– A teologia está viva naquelas igrejas que fizeram a opção pelos pobres e pela justiça social, naquelas igrejas que têm comunidades de base, que trabalham com os sem-terra, com os negros e com os índios – disse Boff à Reuters.

E, na opinião dele, a Teologia da Libertação viverá enquanto existirem pobres e injustiças no mundo, e a eleição de um novo Papa não terá grande influência sobre seu destino. Mesmo assim, ele deseja que o sucessor de João Paulo II seja "um papa humano, não fundamentalista".

A Teologia da Libertação teve suas raízes no Concílio Vaticano II (1962-66), no qual prelados e teólogos centraram suas discussões mais em problemas terrenos do que em assuntos místicos, acadêmicos ou dogmáticos. A Igreja, naquela época, já estava voltada para o homem e não era mais considerada imutável.

O segundo impulso veio na Segunda Conferência do Episcopado Latino-Americano (Celam), em 1968, em Medellín. Em seus documentos apareciam temas que foram a base do movimento, liderado, entre outros, pelo peruano Gustavo Gutiérrez, pelos brasileiros Boff e Hélder Câmara, pelo argentino-mexicano Enrique Dussel, pelo salvadorenho Juan Sobrino e pelo uruguaio Juan Luis Segundo.

Gustavo Gutiérrez finalmente estruturou o movimento com o seu livro "A Teologia da Libertação", editado em 1971, embora suas práticas sejam consideradas resultado de um pensamento coletivo, voltado para os pobres e os explorados.

E, segundo Boff, a Teologia da Libertação não é uma teologia como normalmente se entende na Europa, e sim "uma maneira nova de fazer toda a teologia, uma perspectiva de uma nova experiência de Deus".

O chileno Piñera compartilha dessa opinião.

– Do ponto de vista da igreja universal, a Teologia da Libertação era mais um fenômeno teológico duvidoso, uma teologia que se considerava com algumas ambiguidades, com perigos e confusões – disse. – Para nós, era mais um estado de ânimo de uma igreja que queria se comprometer com os pobres e queria estar nas populações, que queria promover comunidades eclesiais de base, outro estilo de pastoral, uma igreja popular.

Assim surgiram as "pastorais" de diversas igrejas latino-americanas que trabalham diretamente com o povo, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Brasil, que defende os agricultores desamparados.

A teologia ultrapassou inclusive os limites do cristianismo, estendendo-se a outras religiões e grupos sociais e políticos que ela ajuda a surgirem, como o PT e o MST.

– O MST nasceu dentro das comunidades de base e das três forças que estão na base do PT, uma delas, e a mais forte, é a igreja da libertação, as pastorais sociais – disse Boff.

Mas a Teologia da Libertação não conseguiu mudar a posição ortodoxa do Vaticano, que elaborou dois documentos "que quiseram sistematizá-la, só que (essa sistematização) não parte dos pobres, parte da Bíblia" e de documentos eclesiásticos, segundo Boff.

– É uma Teologia da Libertação que não tem pobres – afirmou.

– O papa se opôs aos principais teólogos tentando desmoralizá-lo, e isso o Vaticano fez de maneira muito injusta, porque atacou os amigos dos pobres, acusando-os de marxistas – disse o teólogo.

Boff foi um dos vários castigados pelo Vaticano. Em 1984, a Congregação da Doutrina da Fé o julgou por um de seus vários trabalhos e o condenou a um ano de silêncio. Sob crescente pressão do Vaticano, Boff deixou sua ordem franciscana em 1992 para trabalhar como cristão secular.

O bispo dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra, lembra que a Igreja se abrira ao povo com o Concílio Vaticano II e com o papa Paulo VI.

– Com João Paulo II, retrocedeu. Ele criou uma igreja muito mais clerical, masculina, ortodoxa, centralizadora, sem visão do povo de Deus. Então isso afeta uma pastoral como a nossa, uma pastoral de fronteira como a CPT.

Wojtyla estava tornando seu perfil mais conservador e impondo isso ao clero de todo o mundo. No Brasil, por exemplo, três quartos dos mais de 400 prelados foram nomeados por João Paulo II, que tentou tornar mais conservadora uma igreja que então era caracterizada por seus dirigentes progressistas, como dom Hélder Câmara.

Mesmo assim, Boff e outros defensores da Teologia da Libertação afirmam que ela não foi freada e que continuará ampliando-se, porque não depende da hierarquia da Igreja, e sim de suas bases.

– Não nos orientamos pelo papa, porque do centro não vêm nem santos nem grandes revolucionários, vêm burocratas. O que podemos esperar é que cada vez mais cristãos - religiosos, leigos e bispos - percebam o sofrimento da humanidade, que passa fome, que sofre com a violência bélica e econômica – afirmou.

E a esse movimento, segundo ele, "se incorporam outros grupos, sejam do neomarxismo, da esquerda, de um humanismo mais radical, e caminhamos juntos. Temos origens e orientações distintas, mas temos uma meta comum. Acho que a humanidade está piorando porque o sistema é um sistema de morte, não de vida (como a Teologia da Libertação), e utiliza cada vez mais o poder para impor suas estratégias. Nós nos opomos a isso por estarmos ligados ao povo que sofre.

As informações são da agência Reuters.

 
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