| 16/11/2007 06h44min
Às 5h45min da terça-feira, dia 6, Antônio Dorneu Maciel, diretor administrativo da CEEE, já havia tomado banho e começava a se preparar para ir ao trabalho, quando a campainha tocou em seu flat, em Porto Alegre. Eram seis policiais federais, que fizeram buscas no apartamento de três cômodos e o prenderam. Ontem, dois dias depois de ser solto da carceragem da PF, o ex-diretor-geral da Assembléia Legislativa lembrou o momento da prisão como o pior vivido na última semana.
Entenda como funcionava a fraude no Detran
O apartamento, situado na Avenida Independência, ganhou notoriedade com a Operação Rodin, que investiga fraude milionária no Departamento Estadual de Trânsito (Detran). A PF diz ter imagens e interceptações telefônicas que indicam que era no flat onde
eram feitos pagamentos de propina oriunda da fraude.
Maciel, 61 anos, nega envolvimento. Promete provar sua inocência e restaurar a imagem de 43 anos de vida pública erguida na sombra de nomes de destaque do PP, sigla que tem origem nos antigos Arena e PDS. Ele mesmo explica a opção por ficar longe dos holofotes, evitando até de dar entrevistas:
— Meu trabalho era estar entre eles (os políticos com mandato), não ser um deles.
Depois de ganhar destaque por ser suspeito de ligação com uma fraude que beira os R$ 40 milhões, Maciel decidiu falar. Em seu flat, onde reúne fotos da família e imagens de santos, o tesoureiro-geral do PP recebeu Zero Hora na tarde de ontem, acompanhado de um amigo e de seu advogado Flávio Luz.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Zero Hora - Como o senhor está se sentindo depois de ser preso por suspeita de envolvimento na fraude milionária do Detran?
Antônio Dorneu
Maciel - Abalado, mas com convicção na verdade, confiando nas instâncias
republicanas da Justiça brasileira, da própria imprensa. Vou me afastar das minhas atividades para me dedicar a minha defesa. Tenho 43 anos de vida pública, nos diversos órgãos públicos municipais e estaduais. Fui diretor-geral da Assembléia entre 1995 e 2001. Não existe um deputado que tenha queixa de mim.
ZH - A Polícia Federal diz ter imagens e interceptações telefônicas que indicam que malas de dinheiro eram levadas para seu apartamento para ser entregues a determinadas pessoas. O que o senhor diz sobre isso?
Maciel - Não vi esse material. Tenho conhecimento pela imprensa. Não aceito, e posso garantir que vou provar que não existiu nesse apartamento entreposto de dinheiro.
ZH - A PF não lhe mostrou o material, mas lhe perguntou sobre a presença do advogado Rubem Höher (que disse à PF que entregava malas com dinheiro no flat) e de Flavio Vaz Netto (ex-presidente do Detran) no flat?
Maciel
- É diferente. O Flavio Vaz Netto morava nesse prédio.
Quando se separou (da mulher) ele alugou um apartamento aqui no prédio.
ZH - Höher freqüentava a sua casa?
Maciel - Não. Isso ele próprio pode confirmar.
ZH - Na investigação há um diálogo seu falando sobre a divisão de valores. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Maciel - Não tem nenhuma fita gravada, nenhum diálogo de pessoa falando comigo sobre valores.
ZH - Qual sua ligação com Flavio Vaz Netto?
Maciel - É de 30 anos, foi meu estagiário de Direito.
ZH - Vocês são amigos, ele freqüenta sua casa?
Maciel - Somos amigos, ele é vice-presidente do Grêmio e eu sou secretário-geral.
ZH - E sua relação com Carlos Ubiratan dos Santos (presidente do Detran entre 2003 e 2006)?
Maciel - Conheço, mas não tenho relação maior.
No tempo do Bira nunca fui no Detran. Acho que fui na posse.
ZH - Ubiratan sempre trabalhou com o deputado José Otávio Germano (PP).
Como é a sua relação com o deputado?
Maciel - Comecei relação mais profunda no tempo da Assembléia. Ele já era deputado estadual. O pai dele (Octávio Germano) tinha sido nosso secretário, foi vice-governador, o tio tinha sido deputado. Como eu vivia dentro do partido conhecia toda a família (Germano). Mas politicamente a relação com José Otávio começou na Assembléia. Mas somos amigos fraternos.
ZH - Conforme a PF, o senhor seria um articulador político da fraude do Detran. Por ter contatos políticos, garantiria que algumas empresas fossem contratadas por órgãos públicos, nesse caso, o Detran. O que o senhor diz sobre isso?
Maciel - Não tenho a menor relação com esse assunto Detran. Para ter uma idéia, devo ter ido lá com o Flavio (Vaz Netto) umas duas vezes nesse período. Uma na posse e outra não sei com quem.
ZH - E o senhor sabia dos contratos do Detran com a Fatec ou a Fundae?
Maciel - Fui saber o que é Fatec agora. Nem sabia como
funcionava. Não sei nada, que o Bira era meu companheiro e o Flavio meu companheiro, e a minha carteira (de motorista) está cassada. Nem pedi para eles fazerem. Agora vou fazer cursinho, não tenho mais o motorista da CEEE (com o escândalo do Detran, Maciel foi exonerado do cargo de diretor administrativo da CEEE).
ZH - Há quanto tempo sua carteira está cassada?
Maciel - Há mais de dois anos.
ZH - O senhor não dirige ou dirige sem carteira?
Maciel - Não gosto de dirigir, tinha o motorista da CEEE e minha mulher me busca e me leva.
ZH - A que o senhor atribui sua prisão?
Maciel - Vejo um grande equívoco nisso. Não estou me queixando da Polícia Federal, pelo contrário, o tratamento foi muito sério, decente, cortês, mas estou exatamente agora tomando providências na minha vida e vou me dedicar para trabalhar em cima de provas,
testemunhas para mostrar efetivamente que tive 43 anos de vida pública sem um risco, um apontamento,
um problema. Não tenho patrimônio, esse flat é alugado. Tenho meu chalé no município de São Francisco de Paula, com terrenos comprados a prestação. Em 1996 fiz financiamento e comprei casa pré-fabricada, depois fiz mais um pedaço que não consegui até hoje terminar e estou pagando.
ZH - Que medidas o senhor vai adotar?
Maciel - Vou me exonerar da tesouraria-geral do partido e me afastar do diretório regional. Também estou me exonerando da secretaria-geral do conselho de administração do Grêmio, vou me afastar do conselho deliberativo enquanto durarem os esclarecimentos desses fatos.
ZH - E depois da defesa, o que o senhor fará na vida pública?
Maciel - Vou mudar minha vida. Vou sair da política. Se tu fizeres uma pesquisa, vai encontrar mais gente que gosta de mim do que que não gosta. Até diria mais: não vai encontrar ninguém que diga "esse cara é um sacana". Isso é um patrimônio, um legado.
ZH - Qual foi o pior momento desde a prisão
até hoje?
Maciel - Foi saber da prisão.
ZH - Como o senhor soube da prisão?
Maciel - Foi às 5h45min (da terça-feira, dia 6). Tocou a campainha, abri a porta, eram os federais: "Somos da Polícia Federal, estamos aqui para fazer busca e apreensão. O senhor nos dá licença". Perguntaram se eu tinha arma ou valor acima de R$ 10 mil. Não tinha. Entraram, eram seis. Eu fiquei sentado no sofá, eles revistaram tudo. Ao mesmo tempo tinha outra equipe no meu gabinete na CEEE.
ZH - Quando foi anunciada a prisão?
Maciel - Um disse que eu me preparasse, pegasse alguma coisa que ia acompanhá-los, que eu estava sendo detido. E mostraram o mandado. Fui ao quarto. Como sou madrugador, já tinha tomado banho, escovei os dentes e peguei minhas coisas. Não fui tratado como criminoso. Alguma coisa estava acontecendo que eu não estava sabendo.
ZH - O que
fica do episódio?
Maciel - A obrigação de trabalhar na defesa. Não tenho nada a
ver com Macalão, nada a ver com o Detran. Como sou uma figura muito forte, não sei se isso aí tem um componente político ou não tem.
ZH - O senhor acha que pode ter motivação política?
Maciel - Pode até ter componente político com vistas à eleição do ano que vem para atingir meu partido, ou com vistas à eleição de 2010. Mas vou falar disso mais adiante.
ZH - É sua mesmo a frase "deputado pode tudo", conforme disse Ubirajara Amaral Macalão, principal envolvido na fraude dos selos da Assembléia?
Maciel - Quando cheguei, a Assembléia era muito fechada, corporativa. Eu reunia meu pessoal e dizia que o importante, o que vale ali dentro é o deputado. Nosso papel é preparar a Casa para que eles desfilem o melhor possível. Deputado é quem manda na Casa. Então se tornou uma coisa assim de "deputado pode tudo". Não, o deputado é a razão de ser do parlamento.
ZH -
Macalão disse em entrevista e depoimentos que o senhor, como diretor-geral da
Assembléia, sabia da compra irregular de selos. O senhor sabia?
Maciel - Não. Quando eu cheguei a Assembléia já tinha duas máquinas de postagem. Quando estourou aquele negócio (o escândalo dos selos), fui falar com meu pessoal da época. Nenhum deles jamais viu selo dentro da Assembléia. Meu gabinete era no sexto andar. E eu não despachava com Macalão. Tinha três pessoas na frente dele.
ZH - O senhor foi chamado a depor sobre a fraude dos selos?
Maciel - Não. Frederico Antunes (deputado do PP e presidente da Assembléia) é do meu partido, e eu mantenho boas relações com ele. Enfim, foi meu deputado. Votei para ele. Sou uma espécie, não só dele, mas dele que é bem jovem, uma espécie de conselheiro: "Maça (como os mais próximos chamam Maciel), tu conhece o Fulano, Maça, tu encaminha tal coisa". Frederico me pediu que chegasse perto para eu acompanhar a arrancada dele (na gestão da presidência da Assembléia). Iniciei com ele para
dar uma mão, orientar, enfim. Quando
estourou esse negócio, eu mandei carta ao Frederico dizendo que estava me afastando da Assembléia para deixá-lo à vontade. E me coloquei à disposição da comissão de sindicância.
ZH - Há quem diga que mesmo não sendo funcionário da Assembléia o senhor era muito influente, sendo inclusive quem determinava os nomes que ocupariam cargos-chave, como as superintendências. É verdade?
Maciel - Não. Frederico é do meu partido, foi escolhido na minha bancada. E outra sala que sempre freqüentei é a do Marco Peixoto, líder da bancada. Minha atividade era trabalhar com os deputados. A política é arte da conversa. Era comum aos domingos à tardinha o nosso grupo político se encontrar aqui neste flat, o doutor Celso (Bernardi, atual secretário de Relações Institucionais do Estado), o doutor Otomar (Vivian, presidente do IPE), doutor para fazer um carinho neles, o Marco Peixoto, o Zé Otávio, o Jair Soares, o Frederico, o Jerônimo, o Turra (ex-deputado Francisco
Turra). Quando a turma era maior,
a gente ia para uma sala no prédio, mandava baixar água, cafezinho. O Maciel é disponível. Vamos dizer assim: comigo não tinha problema.
ZH - A Polícia Federal disse ter apreendido no seu apartamento reportagens do caso Macalão e cópias de depoimentos prestados por ele. Por que o senhor tinha esse material?
Maciel - O homem bem informado é a chave. Tu pode compreender que um homem com as minhas relações é natural que as pessoas queiram me dar informações.
ZH - Pessoas lhe traziam o material, as cópias de depoimentos?
Maciel - Sim, para me manter informado. Nada demais.
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Deputado sem mandato
Antônio Dorneu Maciel, 61 anos, construiu sua trajetória política nos bastidores. Dirigente partidário desde os tempos de PDS, chegou a ser chamado de "deputado sem mandato" ou
"presidente sombra" nos seis anos em que exerceu o cargo de diretor-geral da Assembléia — a função mais importante na
estrutura do Legislativo depois dos 55 deputados. Com formação superior incompleta em Direito, foi vereador entre 1968 e 1973 em sua terra natal, São Francisco de Paula. Desde 2003 era diretor-administrativo da CEEE.
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